26 outubro 2010

Beliscavam-no - Rubem Braga

o era muito benquisto, nem bem falado, o grande poeta Augusto Frederico Schmidt.
Logo que ele apareceu, Aporelly, que parodiava com muita graça e perversidade seus poemas, apelidou-o de "Gordinho Sinistro". Como editor, Schmidt descobriu Graciliano Ramos e lançou Gilberto Freyre, mas criou fama de mau pagador. Aquele poeta de versos compridos e estranhos, que falavam da solidão e da morte, contrastava com a figura de homem de negócios que ele era. Menos industrial ou negociante que relações públicas; naquele tempo essa profissão não era conhecida (ou reconhecida), e as pessoas maldosas falavam em advocacia administrativa e tráfico de influência.
Schmidt não fazia muito para combater essa imagem. Deleitava-se até, parece, em afirmar coisas obviamente falsas, por exemplo:
- "Vou lhe dizer uma coisa, Rubem Braga: tenho fama de rico, mas na verdade não tenho onde cair morto!"
(Tinha. Sua viúva, felizmente, nunca passou necessidade).
Eu acabara de lhe pagar os modestos direitos autorais de uma antologia de seus poemas, que fiz para a Sabiá, e ele me disse que era a primeira vez em toda a sua vida que recebia algum dinheiro pelos seus versos - o que não sei se era verdade ou exagero.
De qualquer modo, confesso que tive uma boa surpresa quando uma jovem me contou, no ano passado, um gesto do poeta. O pai dessa moça, professor universitário, era amigo de Schmidt, e morreu deixando uma filharada. Schmidt procurou a família e avisou que o supermercado de que era sócio, o Disco, tinha ordem para fornecer semanalmente todos os alimentos e artigos de casa necessários; e assim foi feito durante anos. Não conheço muitos atos de generosidade efetiva como este.
Schmidt ironizava muito os escritores e jornalistas que exaltavam as qualidades do homem do povo, que cantavam as virtudes do pobre. Lembrava sua experiência. Nascido relativamente rico, educado na Suíça, ficou, a certa altura, ainda rapazinho, em situação muito má. O emprego que arranjou foi o de caixeiro em uma casa de modas, a Barbosa Freitas, que naquele tempo era na Avenida Rio Branco.
Schmidt lembrava que os outros caixeiros implicavam com ele porque usava óculos - naquele tempo caixeiro não usava óculos. E, como era gordinho, os outros o ridicularizavam. Quando era preciso apanhar um artigo qualquer na prateleira mais alta, Schmidt era o escolhido: e lá ia ele a subir com medo a escada fina e trêmula... Sempre alguém aproveitava para beliscá-lo no traseiro.
"Pobre é isso" - dizia Schmidt.
                                                                                                 

Um comentário:

  1. Adorei, mas acho que deveriam postar mais cronicas de diversos autores e não só de Rubem Braga! Como Andressa Neves comentou anteriormente poderiam colocar algumas cronicas de Luis Fernando Veríssimo (A mentira é muito boa) e tantos outros autores consagrados da ligua portuguesa como excelentes cronistas. Beijos e bom trabalho!

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